Dez anos depois, população
pobre do País permanece refém de programas de renda
Implantados há uma década, os planos de combate à
miséria dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff têm registrado
sucesso em dois aspectos: a ampliação dos benefícios de transferência de renda
à maioria das famílias mais necessitadas, garantindo alívio imediato, e a
melhoria de indicadores sociais. Eles patinam, porém, quando se trata de
aumentar as oportunidades de inclusão no mercado de trabalho.
Uma das cidades que simbolizam essas políticas,
Guaribas, no interior do Piauí, espelha tal realidade, conforme constatou a
reportagem do Estado. Foi ali que, em fevereiro de 2003, logo após a posse do
presidente Lula, o então ministro do Combate à Fome, José Graziano, formalizou
o lançamento do Programa Fome Zero, proposta de campanha de Lula que prometia
erradicar a fome no País a partir de uma série de ações coordenadas. A escolha
para o lançamento era precisa. Tratava-se da mais miserável das cidades do
Piauí, o Estado mais pobre do Brasil.
Após desembarcar na cidade, Graziano distribuiu os
primeiros 50 cartões do programa e previu: "Quero voltar aqui em quatro
anos e dizer que vocês não precisam mais do cartão (Alimentação) porque a fome
acabou." O programa Fome Zero fracassou, mas logo foi substituído pelo bem
sucedido Bolsa Família.
Passados dez anos, as melhorias para os 4.401
habitantes são notáveis: Guaribas ganhou água encanada, agências bancárias, uma
unidade básica de saúde, mais escolas e ruas calçadas. Os índices de
mortalidade infantil e de analfabetismo caíram, o grau de aproveitamento
escolar subiu e a fome praticamente desapareceu. Ao contrário do que previu
Graziano, porém, a dependência do cartão de benefícios só aumentou.
'Nem pensar'. Guaribas tem 956 famílias pobres
vinculadas ao Bolsa Família - o que representa 87% do total da população. O
maior temor dos moradores é o fim do programa. "Ave Maria, nem pense numa
coisa dessas. A gente ia viver de quê? Todo mundo ia morrer de fome. Eu era uma",
diz Márcia Alves, que tem 31 anos, dois filhos, e recebe R$ 112 mensalmente do
governo.
O caso de Guaribas não é único. Um estudo
encomendado pela Christian Aid, instituição de igrejas protestantes do Reino
Unido e da Irlanda que financia organizações não governamentais empenhadas em
combater a miséria e reduzir as desigualdades pelo mundo, chegou à seguinte
constatação: apesar do avanço no combate à miséria no Brasil, a desigualdade
entre os mais ricos e os mais pobres ainda é uma das mais altas do mundo e a oportunidade
de mobilidade social ainda é muito reduzida.
O estudo foi realizado pelo Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap), sob a coordenação de Alexandre de Freitas
Barbosa, professor de História Econômica Universidade de São Paulo (USP). Publicado
inicialmente em inglês e lançado aqui com o título O Brasil Real: a
desigualdade para além dos indicadores, ele relativiza as estatísticas usadas
para comemorar os avanços dos governos petistas.
Observa, por exemplo, que quando se fala na elevação
do nível de emprego, não se menciona que, de cada dez postos de trabalho que
surgem no mercado formal, nove têm remuneração inferior a três salários
mínimos.
Os avanços obtidos até agora, segundo o texto, não
terão sustentabilidade se não forem acompanhados de uma política industrial
capaz de absorver trabalhadores mais qualificados e propiciar elevações reais
da renda; e se não criar condições de maior mobilidade nas zonas mais pobres.
Sem iniciativas adequadas, sinaliza o estudo, os
programas de transferência de renda podem, em vez de reduzir desigualdades,
acentuá-la. Numa cidade do Nordeste, com grande número de dependentes de
programas de transferência de renda, os maiores beneficiários serão, por essa
avaliação, o comerciante local e as indústrias do Sul e do Sudeste,
fornecedoras dos produtos que ele vende.
O assunto começa aos poucos a despertar o interesse
dos tucanos, já pensando nas eleições de 2014. Ao analisar os programas de
transferência de renda, o cientista político Bolívar Lamounier, ligado ao PSDB,
observa: "O modelo atual não tem sustentabilidade. É preciso fortalecer
uma classe média baseada na pequena empresa, na produtividade do trabalho, na
qualificação profissional".
Dez anos depois do início do já esquecido Fome
Zero, as coisas não são as mesmas em Guaribas. Mas a estrada para uma vida
melhor continua pedregosa.
Fonte:MSN/Estadão