segunda-feira, 29 de novembro de 2010

SOBREVIVENTE DO ACIDENTE COM FOGOS PEDE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS

Patrícia da Rocha Costa, de 34 anos, moradora da comunidade de Maretas e sobrevivente da explosão com fogos de artifício da Festa de 02 de Fevereiro, em Boa Saude, recebeu a visita de Ciro Marques, reporter do jornal Tribuna do Norte e queixou-se que depois de quase três meses internada no Hospital Walfredo Gurgel, com queimaduras que atingiram 70% do seu corpo, ainda sofre com a falta de assistência da Prefeitura de Boa Saúde, enquanto aguarda o andamento de um processo de indenização na Justiça pelos danos sofridos no incidente. A seguir veja a matéria completa publicada pela Tribuna do Norte, neste domingo 28 de novembro de 2010.




Jornal TRIBUNA DO NORTE

Publicação: 28 de Novembro de 2010

"Sobrevivente, mas sem assistência

Ciro Marques - repórter

A noite de 2 de fevereiro deste ano, na cidade de Boa Saúde, a 69 quilômetros de Natal, ainda está bem viva na memória da Patrícia da Rocha Costa, de 34 anos. Sobrevivente de uma explosão com fogos de artifício, a ex-agricultora conseguiu se recuperar, depois de quase três meses internada no Hospital Walfredo Gurgel, na Capital do Estado, de queimaduras de 1º, 2º e 3º graus que atingiram 70% do seu corpo. Hoje, no
entanto, ela ainda sofre com a falta de assistência da Prefeitura de Boa Saúde, enquanto aguarda o andamento de um processo de indenização na Justiça pelos danos físicos e psicológicos sofridos no incidente.
“Lembro que disse para minha amiga: isso (fogos de artifício) é tão bonito, mas também tão perigoso. Depois disso, veio a explosão e desmaiei”
, relembrou Patrícia, encontrada pela equipe da TRUBUNA DO NORTE sentada em uma cadeira em frente à casa onde mora com o companheiro e os quatro filhos, de 14, nove, oito e sete anos, na humilde comunidade conhecida como Maretas, em Boa Saúde.
adriano abreu

Patrícia está impedida de trabalhar na agricultura por conta das sequelas que a explosão dos fogos de artifício deixaram em seu corpo

Para encontrá-la, por sinal, apesar da comunidade ficar um pouco afastada do centro da cidade, não foi tão difícil. Isso porque todos da região conhecem Patrícia, como “a filha de Bia Magrinha”, ou “a mulher de Luís Tratoreiro”, em referência ao companheiro dela, Luís Gaudêncio, ou ainda “a mulher que sobreviveu a explosão na praça”.

Patrícia estava em casa quando a equipe da TN chegou sem avisar. Sem mais trabalhar com a agricultura, por não poder ficar sob o sol, ou andar pela cidade, também devido ao mal que os raios ultravioleta fazem a pele sensível e cheia de cicatrizes, a ex-agricultora passa boa parte do tempo sentada, cuidando dos filhos. “Minha vida mudou muito. Não posso fazer quase nada agora. Só as vezes que lavo uma louça, ou ajeito a comida dos meus filhos”, revelou ela.
No rosto, as marcas pelo sofrimento que passou são poucas. Praticamente nenhuma. No resto do corpo, porém, as lembranças estão presentes. São cicatrizes nos dois braços, no abdômen, nas pernas, na virilha, nos pés. A que ainda causa mais sofrimento é a do tornozelo direito, que não está totalmente recuperado. Fraturado em três partes na explosão, passou por cirurgia, mas não pode ser imobilizado. O resultado foi um ferimento que necessita de um trabalho quase que diário de fisioterapia, mas que sem a ajuda da Prefeitura de Boa Saúde, não está sendo feito.
“Eles me ajudaram por muito tempo. Quase todos os dias, me pegavam na minha casa e me levavam para a fisioterapia no hospital de Boa Saúde (o Januário Cicco). Infelizmente, um mês depois que entrei com o processo de indenização, eles deixaram de fazer isso”, afirmou Patrícia, que recorreu à Justiça para, pelo menos, amenizar o sofrimento que passou. “Hoje, não posso mais trabalhar e ajudar minha família. Sei que não vou ter minha vida de volta, mas isso não pode ficar assim. Tem que servir de exemplo para que outros casos iguais não ocorram”, afirmou ela.
O valor da indenização, Patrícia disse não saber. Desde junho ela está com o processo acompanhado por um advogado de Natal, que ela conhece apenas pelo primeiro nome: Lincon. “Ainda não tivemos nenhuma audiência”, justificou ela para o motivo do desconhecimento do valor. Foi em junho, também, que Patrícia conseguiu voltar a andar. “Foi graças à fisioterapia. Fiquei fazendo muito tempo disso e preciso continuar a fazer, porque já estou há muito tempo parada. Fui nesta semana até a cidade de Serrinha dos Pintos (vizinha a Boa Saúde), ver se há como recomeçar a fazer por lá”, comentou a ex-agricultora.

“Vi minha amiga morrer do meu lado

Até junho, inclusive, o trabalho de recuperação foi lento e doloroso. Uma dor física e psicológica. “Fiquei internada de fevereiro até o dia 21 de abril. Só saí do risco de morte depois de 45 dias internada. Foi muito doloroso”, relembrou ela, que elege o dia em que viu sua amiga, Maria das Dores Alves do Nascimento, de 45 anos, morrer, como o pior momento da recuperação. “Ela era minha amiga. Tínhamos ido juntas a festa. Nós fomos os casos mais graves. Me lembro quando ela pegou uma infecção e faleceu, ao meu lado, no hospital. Foi horrível aquela cena. Tive muita sorte de não morrer também. Foi graças a Deus”.
No período em que ficou internada, Patrícia precisou de 53 anestesias gerais para tomar banho e trocar os curativos. “Era muita dor. Não tinha como fazer isso sem a anestesia geral. No dia em que o médico me disse que não tomaria mais, meu sofrimento aumentou muito. Ia tomar banho e ficava três, quatro horas debaixo do chuveiro, tirando os curativos”, relembrou ela.
Com um jeito de falar sempre firme e disposta, Patrícia fraquejou uma única vez na entrevista concedida à TN. Foi, justamente, pouco depois ao falar da morte da amiga, Maria das Dores Alves, que faleceu ao seu lado, no Hospital Walfredo Gurgel. “Pensei muito que iria morrer. Minha vida ficou muito tempo por um fio. Lembro que os médicos chegavam e falavam que ‘iria depender da recuperação’, ‘que ainda corria risco de morrer devido a uma infecção’. Sofria, sofria demais. Pensei que nunca mais veria meus filhos, que jamais voltaria para casa”, afirmou ela, emocionada.
Até hoje, Patrícia ainda conta com a “ajuda” de calmantes para suportar uma dor que não é apenas física, mas psicológica também. “Passei por muitos momentos difíceis nesse período de recuperação. Foi duro para mim tudo isso e ainda me lembro vez ou outra. As vezes, quando estou muito mal, preciso de um calmante para poder dormir tranqüila. Ainda tenho até pesadelos com esses momentos”, afirmou ela.
Sobre o Hospital Walfredo Gurgel, mais precisamente o Centro de Recuperação Pós-Operatório (CRO), para onde foi levada assim que houve a explosão em Boa Saúde, nenhuma queixa. “Todos me trataram muito bem lá. Não tenho nada, nada do que reclamar. O médico que tratou de mim, inclusive, ia lá me visitar e saber como estava mesmo quando não era dia de serviço dele. Se Deus quiser, um dia, ainda volto lá só para agradecer”.
Sobram elogios para o Hospital, mas faltam para a Prefeitura da cidade. Além da suspensão do transporte que a levava para fazer fisioterapia no hospital de Boa Saúde, o Januário Cicco, Patrícia se lembra de um fato que jamais esqueceu durante sua recuperação. “Nunca recebi ajuda financeira alguma da Prefeitura, mesmo não podendo mais trabalhar devido a explosão. O único momento que vi a prefeita (Maria Eudice Francisco Felix), inclusive, foi quando ela foi ao Walfredo Gurgel deixar uma cesta cheia de chocolate. Ora, eu toda enfaixada, parecendo uma múmia, ia comer chocolate?”.
No laudo apresentado pelo Corpo de Bombeiros pouco depois do incidente em Boa Saúde, foi confirmado que houve falhas tanto no produto, quanto dos operadores. A distância de segurança não foi respeitada. Os fogos que causaram o incidente tinham pelo menos três polegadas, mas foram encontrados, também, alguns de cinco polegadas. Além disso, deveriam estar a uma distância de, no mínimo, 75 metros, mas foram colocados a, aproximadamente, 30 metros.
Outro problema encontrado durante a perícia do Corpo de Bombeiros foi um morteiro que estava estourado. Isso indica que ele estava sendo reaproveitado, o que também teria comprometido a segurança. A empresa I.M. Pinheiro, que foi a contratada pela Prefeitura da cidade para realizar o show pirotécnico não tinha um profissional treinado e responsável para manusear os fogos.
Para o Comando do CB, na época, o total de 34 pessoas feridas foi pouco se comparado ao tamanho da festa.
A TN tentou, por diversas vezes, falar com a prefeita Maria Edice. Na Prefeitura da cidade, no dia em que a equipe de reportagem esteve lá, ela se encontrava em Natal, participando de um curso de capacitação".