segunda-feira, 14 de janeiro de 2013


Dez anos depois, população pobre do País permanece refém de programas de renda

Implantados há uma década, os planos de combate à miséria dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff têm registrado sucesso em dois aspectos: a ampliação dos benefícios de transferência de renda à maioria das famílias mais necessitadas, garantindo alívio imediato, e a melhoria de indicadores sociais. Eles patinam, porém, quando se trata de aumentar as oportunidades de inclusão no mercado de trabalho.

Uma das cidades que simbolizam essas políticas, Guaribas, no interior do Piauí, espelha tal realidade, conforme constatou a reportagem do Estado. Foi ali que, em fevereiro de 2003, logo após a posse do presidente Lula, o então ministro do Combate à Fome, José Graziano, formalizou o lançamento do Programa Fome Zero, proposta de campanha de Lula que prometia erradicar a fome no País a partir de uma série de ações coordenadas. A escolha para o lançamento era precisa. Tratava-se da mais miserável das cidades do Piauí, o Estado mais pobre do Brasil.

Após desembarcar na cidade, Graziano distribuiu os primeiros 50 cartões do programa e previu: "Quero voltar aqui em quatro anos e dizer que vocês não precisam mais do cartão (Alimentação) porque a fome acabou." O programa Fome Zero fracassou, mas logo foi substituído pelo bem sucedido Bolsa Família.

Passados dez anos, as melhorias para os 4.401 habitantes são notáveis: Guaribas ganhou água encanada, agências bancárias, uma unidade básica de saúde, mais escolas e ruas calçadas. Os índices de mortalidade infantil e de analfabetismo caíram, o grau de aproveitamento escolar subiu e a fome praticamente desapareceu. Ao contrário do que previu Graziano, porém, a dependência do cartão de benefícios só aumentou.

'Nem pensar'. Guaribas tem 956 famílias pobres vinculadas ao Bolsa Família - o que representa 87% do total da população. O maior temor dos moradores é o fim do programa. "Ave Maria, nem pense numa coisa dessas. A gente ia viver de quê? Todo mundo ia morrer de fome. Eu era uma", diz Márcia Alves, que tem 31 anos, dois filhos, e recebe R$ 112 mensalmente do governo.

O caso de Guaribas não é único. Um estudo encomendado pela Christian Aid, instituição de igrejas protestantes do Reino Unido e da Irlanda que financia organizações não governamentais empenhadas em combater a miséria e reduzir as desigualdades pelo mundo, chegou à seguinte constatação: apesar do avanço no combate à miséria no Brasil, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres ainda é uma das mais altas do mundo e a oportunidade de mobilidade social ainda é muito reduzida.

O estudo foi realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), sob a coordenação de Alexandre de Freitas Barbosa, professor de História Econômica Universidade de São Paulo (USP). Publicado inicialmente em inglês e lançado aqui com o título O Brasil Real: a desigualdade para além dos indicadores, ele relativiza as estatísticas usadas para comemorar os avanços dos governos petistas.

Observa, por exemplo, que quando se fala na elevação do nível de emprego, não se menciona que, de cada dez postos de trabalho que surgem no mercado formal, nove têm remuneração inferior a três salários mínimos.

Os avanços obtidos até agora, segundo o texto, não terão sustentabilidade se não forem acompanhados de uma política industrial capaz de absorver trabalhadores mais qualificados e propiciar elevações reais da renda; e se não criar condições de maior mobilidade nas zonas mais pobres.

Sem iniciativas adequadas, sinaliza o estudo, os programas de transferência de renda podem, em vez de reduzir desigualdades, acentuá-la. Numa cidade do Nordeste, com grande número de dependentes de programas de transferência de renda, os maiores beneficiários serão, por essa avaliação, o comerciante local e as indústrias do Sul e do Sudeste, fornecedoras dos produtos que ele vende.

O assunto começa aos poucos a despertar o interesse dos tucanos, já pensando nas eleições de 2014. Ao analisar os programas de transferência de renda, o cientista político Bolívar Lamounier, ligado ao PSDB, observa: "O modelo atual não tem sustentabilidade. É preciso fortalecer uma classe média baseada na pequena empresa, na produtividade do trabalho, na qualificação profissional".

Dez anos depois do início do já esquecido Fome Zero, as coisas não são as mesmas em Guaribas. Mas a estrada para uma vida melhor continua pedregosa.

Fonte:MSN/Estadão